'O meu lugar': Arlindo Cruz exaltou o subúrbio e compôs música que virou hino de Madureira
'Música brasileira sofre um baque. Principalmente o samba', diz Martinho sobre Arlindo O legado do cantor e compositor Arlindo Cruz, que morreu nesta sexta-fe...

'Música brasileira sofre um baque. Principalmente o samba', diz Martinho sobre Arlindo O legado do cantor e compositor Arlindo Cruz, que morreu nesta sexta-feira (8) aos 66 anos, tem uma relação especial com o subúrbio carioca. Entre tantas músicas que cantaram a cidade "raiz", uma delas, “O Meu Lugar”, virou um hino afetivo de Madureira , onde neste sábado seu corpo será velado em um gurufim na Quadra do Império Serrano -- nada mais Arlindo Cruz que uma despedida com samba e festa na escola e no bairro de seu coração. 'Arlindo foi um poeta do samba': família e equipe homenageiam sambista morto aos 66 anos Famosos, autoridades e escolas de samba lamentaram a morte do artista Arlindo Cruz foi enredo e desfilou pelo Império Serrano em 2023 Os versos da canção retratam as ruas, os bares, a tradição do carnaval e a identidade popular da região. A música, uma das centenas de composições -- essa ao lado de Mauro Diniz -- se tornou uma das marcas de sua carreira, unindo emoção e pertencimento. Lançada originalmente em 2007 e regravada em 2012 para a trilha sonora da novela Avenida Brasil, “O Meu Lugar” embalou cenas do bairro fictício Divino, mas com imagens reais do subúrbio do Rio. O impacto foi imediato: a canção voltou às paradas, reforçando a imagem de Arlindo como cronista musical da vida suburbana. "O Arlindo Cruz representa a vocação do subúrbio do Rio, a geografia do Rio. O homem que canta Madureira, que vem de Piedade. Você tem o subúrbio do Rio de Janeiro marcado na música popular", relembrou o jornalista e escritor Fábio Fabato na Globonews. "É fundamental toda a carreira e toda a história dele”, afirmou o pesquisador de samba. Arlindo Cruz, cantor e compositor, morre aos 66 anos no Rio Para Fabáto, a força de Arlindo estava na capacidade de unir sofisticação e simplicidade. “Arlindo foi um poeta ultra-sensível que conseguiu, ao exacerbar o 'carioquismo' na vastíssima obra, atingir todos os corações — populares e os mais eruditos. Sua capacidade única de misturar sofisticação e simplicidade em letras e melodias o transformaram num dos maiores artistas da Música Popular Brasileira. Ele conseguiu elevar o samba a um patamar de drible desconcertante nos preconceitos históricos com relação ao gênero. Gênio não é exagero, é definição perfeita de quem reinventou a percepção do brasileiro para as coisas nossas", reforçou Fábio Fabato. 📱Baixe o app do g1 para ver notícias do RJ em tempo real e de graça Em 2013, durante o lançamento do DVD Batuques do Meu Lugar, Arlindo explicou ao g1 que sua música era fruto de influências múltiplas, mas com raízes no subúrbio. "O trabalho retrata a minha música, que sofre influências do Brasil inteiro. Por isso se chama 'Batuques do Meu Lugar' e traz muita coisa da Zona Sul e Zona Norte do Rio, além do samba urbano e suburbano. Tem ainda o samba de Madureira, que é do meu lugar, onde nasci", contou na época. Ícone do subúrbio A ligação entre Arlindo Cruz e o subúrbio carioca atravessa toda a sua obra e trajetória. Para o jornalista e crítico musical Mauro Ferreira, é impossível dissociar a vida e a arte do sambista do cenário cultural e afetivo do Rio de Janeiro. "A obra do Arlindo Cruz, ela sempre esteve ligada ao Rio de Janeiro. É difícil, inclusive, imaginar a obra do Arlindo se ele não tivesse nascido na cidade. Isso ficou explícito a partir de 2006, com o sucesso do samba O Meu Lugar, mas, na realidade, vem desde sempre", comentou Mauro Ferreira. Antes da fama, Arlindo percorreu as rodas de samba e pagodes dos subúrbios, especialmente na Zona Norte. Segundo Mauro Ferreira, ele construiu sua base musical cantando em bairros como Abolição e frequentando espaços que se tornariam marcos da renovação do samba. "O Arlindo circulou muito pelos subúrbios cariocas. Antes de conquistar a fama, ele criou os pagodes dele, cantou muito na Abolição e outros bairros. Ele e Zeca Pagodinho circulavam pelo Rio de Janeiro de ônibus, fazendo sambas, indo a rodas de samba. E, sem falar que, a presença dele na quadra do Cacique de Ramos foi fundamental", recordou o jornalista. Arlindo Cruz, no Fundo de Quintal Nem de Tal/Estadão Conteúdo Foi no Cacique de Ramos que Arlindo deu um dos passos mais importantes da carreira. Mas foi entre 1981 e 1992, que Arlindo despontou. Durante esse período, ele fez parte do grupo Fundo de Quintal, considerado um divisor de águas no samba. Com o grupo, Arlindo consolidou o uso do banjo no gênero, instrumento que se tornaria sua marca registrada. "O Fundo de Quintal é um samba essencialmente carioca. Todo esse pagode carioca dos anos 80 rompeu ali, mas foi revelado antes, no disco De Pé no Chão, da Beth, em 78". "O banjo era um instrumento que o Almir Guineto criou, mas o Arlindo acabou desenvolvendo. Ele ficou uma espécie de herdeiro. Quando o Almir saiu do Fundo de Quintal, o Arlindo entrou meio no lugar dele, assumiu o banjo e o banjo ficou na vida do Arlindo até o final", contou Mauro Ferreira. Para o jornalista, a geografia afetiva e cultural do subúrbio está entranhada na música de Arlindo Cruz, da primeira à última composição. Parceria que virou hino A música “O Meu Lugar” foi composta em parceria com Mauro Diniz, que relembrou o processo criativo em entrevista ao Brito Podcast, em 2022. Mauro contou que recebeu do amigo uma fita com a primeira parte da música, para que completasse a letra. "Eu morava no Méier e o Arlindo deixou uma fita pra mim com a primeira parte. Quando fui ouvir, comecei a viajar nas coisas que vivi. Eu nasci em Oswaldo Cruz, morei em Madureira, então tudo aquilo estava na minha memória. ‘Em cada esquina um pagode, um bar, Império e Portela também são de lá’”, relembrou. Segundo Mauro, o samba rapidamente foi reconhecido como um retrato fiel da região. "É um dos sambas mais elogiados, que muitos chamam de ‘Madureira’. Todas essas coisas vêm de onde? Vêm do Pai, das luzes, é Ele que nos dá inspiração. Me deu inspiração no jeito que eu toco e com muita satisfação passo meu conhecimento para as pessoas", contou Mauro Diniz. Arlindo Cruz Alexandre Durão/G1 Letra de 'O meu lugar' "O meu lugar É caminho de Ogum e Iansã Lá tem samba até de manhã Uma ginga em cada andar O meu lugar É cercado de luta e suor Esperança num mundo melhor E cerveja pra comemorar O meu lugar Tem seus mitos e seres de luz É bem perto de Oswaldo Cruz Cascadura, Vaz Lobo, Irajá O meu lugar É sorriso, é paz e prazer O seu nome é doce dizer Madureira, la-la-iá Madureira, la-la-iá O meu lugar É caminho de Ogum e Iansã Lá tem samba até de manhã Uma ginga em cada andar, cada andar O meu lugar É cercado de luta e suor Esperança num mundo melhor E cerveja pra comemorar O meu lugar Tem seus mitos e seres de luz É bem perto de Oswaldo Cruz Cascadura, Vaz Lobo, Irajá O meu lugar É sorriso, é paz e prazer O seu nome é doce dizer Madureira, la-la-iá (vai) Madureira, la-la-iá Ah, que lugar A saudade me faz relembrar Os amores que eu tive por lá É difícil esquecer Doce lugar Que é eterno no meu coração E aos poetas traz inspiração Pra cantar e escrever Ai, meu lugar Quem não viu Tia Eulália dançar? Vó Maria o terreiro benzer? E ainda tem jongo à luz do luar Ah, que lugar Tem mil coisas pra gente dizer O difícil é saber terminar Madureira, ia-la-la-iá Madureira, la-la-la-iá Madureira Em cada esquina, um pagode, um bar Em Madureira Império e Portela também são de lá Em Madureira E no Mercadão você pode comprar Por uma pechincha, você vai levar Um dengo, um sonho pra quem quer sonhar Em Madureira E quem se habilita, até pode chegar Tem jogo de ronda, caipira e bilhar Buraco, sueca pro tempo passar Em Madureira E uma fezinha até posso fazer No grupo dezena, centena e milhar Pelos sete lados eu vou te cercar Em Madureira E la-la-la-ia-la-la-ia-la-la-iá E la-la-la-ia-la-la-ia-la-la-iá E la-la-la-ia-la-la-ia-la-la-iá (diz aí, gente) Em Madureira E la-la-la-ia-la-la-ia-la-la-iá E la-la-la-ia-la-la-ia-la-la-iá E la-la-la-ia-la-la-ia-la-la-iá Em Madureira, ia-la-iá Em madureira"